Opinião: O crime e a zona cinzenta da lei

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Nos últimos dias, estourou um escândalo de manipulação de resultados, envolvendo, entre outros, o futebol paranaense junto com casas de apostas clandestinas. Em um dos casos desta trama, um lateral do Rio Branco, time vice-campeão da Taça Dionísio Filho, mas que fez campanha fraca na Taça Caio Júnior, salvando-se do rebaixamento na bacia das almas, foi acusado de tentar intermediar acertos de resultados em conluio com apostadores. Em São Paulo, o União Barbarense, time que já foi da elite estadual, afastou jogadores suspeitos de participar de esquema semelhante (ou o mesmo).

Graves também sãos as acusações relativas ao Andraus, clube que recentemente foi rebaixado à Terceirona Paranaense. Em um campeonato de base, o próprio presidente do clube foi acusado de apostar em uma goleada sofrida pela própria equipe em um jogo que os reservas foram escalados. Relativa ao mesmo clube foi a acusação do vice-presidente, que substituiu o presidente durante uma suspensão, seria o responsável por tentar aliciar um goleiro do Campeonato Catarinense para que entregasse um resultado.

Isso tudo acontece numa zona cinzenta da legislação. Apostas esportivas são ao mesmo tempo proibidas, mas estão cheias de publicidade até na televisão dos sites do gênero que, por estarem hospedados no exterior, recebem lances de brasileiros e criaram espécie de subterfúgios para pagar seus prêmios aos brasileiros. Se você criar uma banca física no Brasil, como há muitas especialmente no Nordeste, você está incorrendo em contravenção penal, como é o jogo de azar. O mesmo vale para sites sediados no Brasil. Por outro lado, sites estrangeiros contratam mão-de-obra no país, como pessoas que fazem transmissão em tempo real para evitar que o delay das informações permita que apostadores mais matreiros burlem o sistema e apostem em algo que já aconteceu.

Sendo à margem da lei, as casas de apostas clandestinas brasileiras têm um poder inimaginável e dão margem a manipulação de resultados, seja pela banca, que não pode quebrar, como uma rodada do Brasileirão que teve tantas zebras que teve banca quebrando, como mostra este interessante material de 2017 da Trivela, como por grupos de apostadores interessados em ganhos mais cristalinos, podendo em muitos casos ser lavagem de dinheiro.

O Caso Edílson foi relacionado a isso. Para quem não lembra ou era muito jovem, em 2005, foi descoberto um esquema de corrupção de árbitros para que se fabricassem resultados favoráveis a um grupo de apostadores. Para tentar passar desapercebido, o grupo apostava em resultados mais cotados em jogos que os árbitros Edílson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon, que estavam dentro do esquema, apitavam. A descoberta do escândalo manchou o Brasileirão daquele ano. Todos os jogos com os árbitros envolvidos, no caso Edílson, pois Danelon apitava jogos menores, foram refeitos, mesmo os que ele admitiu, ao ser descoberto, que não conseguiu entregar o resultados aos apostadores. Com isso, a classificação do certame mudou bastante e, para coroar, o torneio foi decidido em um jogo de arbitragem polêmica.

A principal evolução da arbitragem brasileira após este caso, quase simultâneo com o Caso Bruxo no futebol paranaense, foi a instituição de sorteio para as escalas de campeonatos profissionais. Com isso, ficou mais difícil o aliciamento de árbitros, devido a escala ser decidida mais em cima da hora. Ao mesmo tempo, estimulou a tipificação penal do crime de manipular resultados esportivos no Código Penal Brasileiro, algo que antes não existia de maneira clara.

Na Europa, já houve casos semelhantes com jogadores ligados a apostadores. Na Itália, um esquema ligado a apostas ilegais indiciou clubes e jogadores e ajudou a diminuir ainda mais a credibilidade do futebol do país, que desde o Calciocaos de 2006 vem numa espiral descendente dos clubes que já foram da liga mais rica do planeta e hoje está no segundo escalão europeu, atrás das ligas da Espanha, Alemanha e Inglaterra.

Uma regulamentação das apostas esportivas no Brasil pode não resolver o problema, mas pode amenizar. Com tudo sendo feito às claras, é mais fácil de fiscalizar a relação entre atletas, técnicos, dirigentes e árbitros com os apostadores. Também fica mais fácil, por meio de movimentações estranhas em algumas apostas de partidas, detectar possíveis manipulações. No modelo atual, tudo fica no escuro ou na zona cinza da não regulamentação.

Com uma regulamentação das apostas, também, fica mais difícil lavar dinheiro com elas, sem falar na arrecadação de impostos com a atividade colocada na legalidade e com regras claras. Clara, também, deveria ser dentro desta lei um dispositivo vetando algumas pessoas de apostar: árbitros, atletas federados, dirigentes de clubes federados, membros de comissões técnicas, além de parentes de primeiro grau deles. A manipulação de resultados via apostas pode não acabar, mas terá mecanismos efetivos para ser combatida e detectada.

Vale lembrar que, no tênis, é proibido um atleta filiado à ATP/WTA apostar. Isso foi exacerbado depois de escândalo em que atletas apostavam contra si mesmos ou agiam em conluio com apostadores para perder a partida por meio de desistência por lesão no início do século. Mais recentemente, um novo escândalo envolveu partidas de vários tenistas do Top 50 Mundial.

Em suma: a regulamentação das apostas esportivas com uma legislação clara e com proteção e tipificações em caso de fraudes é a maneira ideal de enfrentar o problema de maneira séria, sem tergiversar e sem apenas enxugar gelo. À luz da legalidade, muita coisa suspeita pode ser coibida ou punida com precisão. É o que melhor pode ser feito para que o nosso esporte tenha credibilidade e cada vez menos pairem dúvidas sobre a honestidade do que se vê em campo.

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